21.2.07

Espaços de nós

As janelas choram.
Correm os mantos de cetim da tua pele
sobre o negro linho.
Gotas, restos de ouro tocado pelo sol,
impenetráveis silêncios.

Passa uma vida,
enrodilhar de momentos fecundos
protegidos pela tua voz.
A busca de cada aroma, cada odor,
arrasta consigo a nostalgia de amanhã.

Estamos sós na continuidade do tempo
e fechamos os olhos à morte.
Restauremos a eternidade do sonho,
lembremos o leito, o descanso
e oiçamos o despertar da manhã.

20.2.07

Murmúrios do mar

Os naufrágios são belos
sentimo-nos tão vivos entre as ilhas, acreditas?
e temos saudades desse mar
que derruba primeiro no nosso corpo
tudo o que seremos depois

«Pago-te um café se me contares
o teu amor»

José Tolentino Mendonça (in A Noite Abre Meus Olhos)

12.2.07

LIFE

life is a vacancy
inhabited by people
male and female
as random as a meeting on a train
as close to one another as these lives are

life shakes us up
so hold me a little more tightly
at the station we get off, shed hot tears
a butterfly flies in
passing back and forth without let

Han Dong (in poetryinternational.org)

9.2.07

learned helplessness

O desespero (ou desamparo) aprendido é um conceito que emerge da psicologia experimental e que designa, grosso modo, a incapacidade de reagir a um estímulo aversivo, evitando-o. Um dos dispositivos experimentais mais ilustrativos consiste na administração de choques eléctricos a dois grupos de cães, sendo que apenas um (chamemos-lhe o 1º) tem a possibilidade de interromper a estimulação mediante a activação de um mecanismo. São depois deslocados para um setting em que uma fronteira é facilmente transponível. É aqui que o resultado se manifesta. O 2º grupo tinha aprendido a inutilidade de qualquer esforço e submete-se passivamente aos choques. A conclusão - óbvia e de inquestionável efeito - é que o meio tem a capacidade de anular o indivíduo, quando este não dispõe de estratégias que lhe permitam controlar os efeitos daquele. Parece-me, no entanto, haver uma segunda conclusão a extrair daqui. Ou talvez não uma conclusão, mas uma outra perspectiva. É o cão que, mortificando-se, anula o meio. Esta nuance tem somente a importância de uma mudança de poder. É uma deslocação do centro apenas visível nas consequências. De acordo com esta perspectiva, aquele que concede ao cão a possibilidade de fuga não poderia ser mais lesivo, ao corromper um mundo perfeitamente ordenado com novos significados. Na sua melancolia o cão é inteiramente, irrevogavelmente livre. Os outros nada podem acrescentar ou retirar. Como aquelas personagens de Gorki:

"Se notavam em qualquer estranho o menor aspecto extraordinário, os habitantes do bairro tratavam-no durante muito tempo com severidade, com uma repulsa instintiva, como se temessem vê-lo suscitar na sua existência algo que lhe quebrasse a regularidade melancólica, baça, mas tranquila. Acostumados a serem esmagados por uma força constante, não esperavam qualquer melhoria, e consideravam todas as mudanças como próprias apenas para tornar o seu jugo ainda mais pesado."

Máximo Gorki - A Mãe (tradução de Egito Gonçalves)