20.12.06

O homem que não pôde ser imperador

"Leitor, quem quer que sejas, desejaria neste momento estar contigo face a face, olhos nos olhos e a mão na mão e dizer-te em voz baixa: Crês que vives? Que vives verdadeiramente, profundamente, inteiramente? Parece-te a tua vida tão bela e grande como talvez a sonhaste nas noites ardentes da juventude?
E em voz mais baixa, muito baixinho, desejaria perguntar-te: Tiveste juventude? Sentiste em ti, dentro das tuas vísceras, algo que fermentava, que fervia, que se agitava, que estremecia, que queria sair, transbordar, inundar o mundo como um lago ardente? Sentiste alguma vez, depois de umas horas de excitação, depois de um formoso crepúsculo, depois dos versos de um poeta, sentiste que eras tu, tu em pessoa, o primeiro homem, o descobridor da vida, o descobridor do Mundo? E não te pareceu mísera esta vida e não te pareceu pequeno este Mundo? Não desejastes a morte por amor à vida? Não experimentastes as ânsias de Alexandre ante o Céu longínquo?
Isto queria eu perguntar-te, vilíssimo leitor, pobre esgrouvinhado, que estás aqui a ler páginas, a escutar as palpitações da vida de outro, porque não sabes viver por tua conta. Não te parece vil, covarde, covardíssima, a acção que estás a praticar? Uma cadeira suporta-te, diante de ti acham-se as páginas ligadas, nessas páginas há sinais negros, e tu percorres com os olhos estes sinais e a tua almazinha sorri ou choraminga, vê ou entrevê, conforme os sinais forem despertando à força as tuas imagens sonolentas. E crês viver, parece, lendo livros! Se saísses de casa, olharias com grande desprezo para o vulgo, que não está ao corrente, que não faz psicologia e não se nutre de literatura."

in "O homem que não pôde ser imperador",
Palavras e Sangue, Giovanni Papini

No comments: